“Os trabalhadores com vínculos mais frágeis, os informais e os autônomos, são desligados muito mais rapidamente. É mais fácil demitir um trabalhador informal do que um com carteira assinada”, analisa o pesquisador da Rede e doutor em Sociologia pela USP, Ian Prates.
Para o professor, mais do que reflexo direto de uma crise econômica, o quadro atual é também resultado de decisões políticas tomadas nos últimos anos.
“A pandemia, enquanto tragédia social, mostra que nós temos um sistema de proteção social muito frágil, que foi fortalecido a partir de 1988 e que começou a ser desmontado entre 2014 e 2015. É tanto que, em 2019, tínhamos uma fila de 1,5 milhão de pessoas no Bolsa Família mesmo tendo direito ao programa”, avalia.
Na visão do especialista, seria preciso adotar medidas que fossem além do socorro emergencial.
“A gente precisa aceitar o fato de que as medidas de distanciamento são necessárias e, a partir daí, criar mecanismos de proteção social. Ou seja, renovar o auxílio emergencial, pensar em políticas estaduais e municipais em articulação com o Governo Federal para garantir a renda das famílias e criar programas de proteção às mulheres, que sofrem uma sobrecarga muito grande”, argumenta Prates.
Vulnerabilidade
Grande parte das pessoas que perderam emprego formal precisa recorrer à informalidade para garantir alguma renda. Jonathan Romeu, de 28 anos, é um exemplo disso. Enquanto trabalhava como preparador de veículos em uma concessionária na Zona Sul do Recife, recém-casado, ele tinha planos, como a maioria das pessoas.
Para o futuro, tanto o próximo quanto o distante, ele projetava concluir a faculdade de Direito, com a perspectiva de fazer depois um concurso público, “para juiz ou delegado”, e terminar de montar a casa onde mora com a mulher, em Barra de Jangada, Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana. Ele também pensava em “subir” na empresa e recebia “um dinheiro certo” a cada mês. Foi aí que veio a pandemia.
Os prejuízos se deram em poucos meses. Primeiro, a concessionária aderiu à Medida Provisória (MP) 936, que permitiu a redução de salário e jornada de trabalho, com complementação do pagamento mensal pelo Governo Federal, e que vigorou até dezembro. Três meses depois de ser afastado, Jonathan foi demitido.
Desde então, ele se sustenta como entregador de mercadorias por aplicativo, e o que antes fazia para ter um “extra” é, agora, a principal fonte de renda.
Jonathan Romeu, 28, roda de domingo a domingo fazendo entregas no Grande Recife (Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco).
O motofretista começa o dia entre 8h e 9h, em pontos de entregadores na Rua Dom João VI, “beira-canal” que é continuação da Via Mangue, em Boa Viagem, ou nas imediações do Shopping Guararapes, em Piedade. A partir daí, entre intervalos de espera com o olho no celular, ele chega a rodar mais de 12h diárias, de domingo a domingo.
As folgas que permite a si mesmo são raras. Mesmo assim, com as baixas taxas cobradas pelos aplicativos, a grana é curta. “Às vezes eu volto para casa só com R$ 10, R$ 15”, conta o motociclista. “É quase, Deus me livre, estar perto de passar necessidade. Mas, como estou na rua dia após dia, recebo uma ajuda aqui e ali e vou me virando”.
Sem apoio para ficar em casa, principalmente depois que acabou o pagamento do auxílio emergencial - que voltará a ser pago, mas em um valor abaixo da metade do de 2020 -, o jeito é se expor ao vírus na rua.
“Já entreguei pedidos para pessoas com Covid-19 e tive que me afastar (deixar o produto em local mais afastado). A gente está arriscado a tudo na rua”, diz o entregador, que até agora não sentiu sintomas da doença.
Em busca do “extra”
Casada e mãe de dois filhos adolescentes, a diarista Mariane Graziele da Silva, 30, quase perdeu todos os rendimentos no início da pandemia.
“Elas [as patroas] me afastaram porque a situação ia se agravar. Duas delas me ajudaram muito, mas, depois que veio o auxílio, disse que não precisava mais”, diz a faxineira, que, para conseguir um “extra”, faz bicos no salão de beleza perto de casa, na comunidade de Roda de Fogo, localizada no bairro dos Torrões, Zona Oeste do Recife. “Antes, eu tinha faxina quase a semana toda. Agora só tenho de 15 em 15 dias”, conta.
Diante da perspectiva de receber um auxílio de R$ 250, muito abaixo dos R$ 1200 pagos em 2020, ela considera a redução um “absurdo”. “Para quem é dona de casa e precisa sobreviver só com isso, vai ficar muito difícil. A faxina parou e o salão também”, afirma.
O que mantém ainda as contas de casa é o salário do marido, que trabalha como zelador em um condomínio, além de ajudas que recebe de parentes e amigos.
Buscar alternativas de ocupação foi também o meio que Wellington Santos, 39, encontrou para não perder os rendimentos. Por nove anos, ele e a mulher garantiam o sustento como ambulantes no Centro da Capital pernambucana.
O casal, que tem uma filha e mora no bairro da Torre, esteve entre os comerciantes contemplados com um quiosque pela Prefeitura depois que foi concluída a obra de requalificação da avenida Conde da Boa Vista, em 2020. Mas o movimento fraco de clientes fez ele deixar o negócio com a esposa e partir para o ramo do transporte por aplicativo, segundo ele, “por ser um serviço essencial”.
Mariane, 30, é faxineira e faz bico em salão de beleza para complementar a renda (Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco)
Depois de meses rodando com o carro, o ambulante e motorista pensa em sair do aplicativo. “Não aguento mais o preço da gasolina, é a quinta alta já”, comenta. Para fazer essa mudança de trabalho, ele diz que vai procurar “qualquer emprego”. “Para mim, o futuro é a vacina”, limita-se a frisar.
Professor da Especialização em Direitos Humanos da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Rud Rafael defende que o trabalho informal seja contemplado por políticas públicas.
“A informalidade não precisa vir acompanhada da precariedade. Existem várias políticas no mundo que garantem direitos previdenciários e trabalhistas também para os informais. O Brasil precisa avançar na constituição de uma política de crédito e trabalhar na perspectiva de reorientar a economia para essas novas condições de sociabilidade”, pondera.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Cidadania informou, por meio de nota, que trabalha na finalização dos detalhes do novo auxílio emergencial e que os pagamentos terão início o mais breve possível. A pasta disse ainda que o Governo Federal destinou R$ 295 bilhões para 68,2 milhões de brasileiros, que, segundo o órgão, ganharam condições de enfrentar o impacto econômico da pandemia. Desse público, 55% eram mulheres.
Além disso, o texto ressalta que serão adotadas todas as medidas necessárias para o auxílio alcance a população de maior vulnerabilidade e que as mulheres têm prioridade nas ações de qualificação profissional, empregabilidade e empreendedorismo.
Já a Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude de Pernambuco mencionou, como medida para atenuar os efeitos do aumento do desemprego e da redução de oportunidades na pandemia, o Governo do Estado realiza o 13º pagamento do Bolsa Família aos pernambucanos cadastrados no programa. Nele, os beneficiários recebem uma parcela extra de R$ 150.
Ainda de acordo com a nota, 1.176.110 famílias são beneficiadas, o que corresponde a 34% da população do Estado. O órgão estima também que, com a iniciativa, são injetados R$ 150 milhões na economia.
Por fim, a pasta ressalta que o Governo realizou uma série de ações para os grupos mais vulneráveis, como distribuição de cestas básicas e cartões-alimentação para estudantes e ampliação do programa Crédito Popular.
Folha de Pernambuco
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