MEMÓRIA – Fernanda Abreu completa 30 anos de carreira solo em 2020. Ao longo dessas três décadas, a cantora e compositora carioca foi a única integrante da formação clássica da Blitz que conseguiu se manter (e ascender) no mundo da música pop do Brasil sem se escorar no charme irreverente dessa banda que abriu portas para o pop rock brasileiro no verão de 1982, mas que logo ficou datada.
Fernanda Abreu foi adiante. Qualquer celebração multimídia dessa trajetória ao longo de 2020 – em disco, documentário ou show – é, mais do que justa, merecida. A partir de 1990, Fernanda Abreu construiu obra que, na primeira metade da década de 1990, legou discos pioneiros, modernos, que apontaram caminhos para o pop brasileiro sem nacionalismos mas tampouco sem ignorar o suingue do país.
No primeiro álbum solo, Sla radical dance disco club (1990), a cantora inovou ao fazer (bom) uso de samples no Brasil na formatação de som em que mixou a batida da dance music com o clima da então desvalorizada disco music, mistura que Madonna (uma das referências de Fernanda) somente faria 15 anos depois no álbum Confessions on a dance floor (2005).
Admiradora de Michael Jackson (1958 – 2009), a garota sangue bom soube traduzir os ritmos da música negra norte-americana para o idioma musical carioca e para a pista. Fernanda Abreu sempre valorizou a dance music, a figura do DJ, antes desse culto virar modismo.
Música que sobressaiu no segundo álbum solo da artista, Sla 2 – Be sample, lançado em 1992, Rio 40 graus (Fernanda Abreu, Carlos Laufer e Fausto Fawcett, 1992) pôs funk, rap e samba em caldeirão fervente que traduziu a quentura da mistura sonora e social do Rio de Janeiro (RJ), se tornando hino informal dessa “cidade-maravilha, purgatório da beleza e do caos”.
A mistura sonora de Fernanda Abreu também é feita de soul, pop e R&B sem deixar de soar carioca. Devota de São Jorge Ben Jor, de quem regravou Jorge da Capadócia (1975) com personalidade no álbum Sla 2 – Be sample, Abreu sabe que o ouro da música pop é negro.
Garimpeira de tendências musicais, a artista teve faro para perceber a força do batidão do funk carioca que irrompera em 1989. Da lata (1995), terceiro álbum solo de Fernanda, se alimentou da cultura marginalizada do funk, mote do miscigenado repertório em que sobressaíram Veneno da lata (Fernanda Abreu e Will Mowat, 1995) e Garota sangue bom (Fernanda Abreu e Fausto Fawcett). Ciente de que o Brasil é o país do suingue, Abreu abriu parceria neste disco com o então desconhecido Pedro Luís na música Tudo vale a pena.
Artista que sempre primou pelo requinte visual na criação da arte dos discos e dos cenários dos shows, área na qual o artista gráfico Luiz Stein deu contribuição fundamental para o alto padrão estético do trabalho da artista, Fernanda reciclou a relevante obra solo inicial em Abreugrafia (1997) – coletânea com status de disco de carreira pela grande quantidade de gravações inéditas – e prosseguiu com álbuns que, mesmo sem o impacto dos anteriores, reforçaram a assinatura da artista no universo pop nacional.
Foram os casos de Entidade urbana (2000), Na paz (2004) e o revigorante Amor geral (2016), disco que marcou a volta da cantora ao mercado fonográfico dez anos após a edição em 2006 de CD e DVD revisionistas gravados na série MTV ao vivo.
Aos 58 anos, essa senhora carioca continua na pista, jovial e moderna, jorrando o suingue sangue bom nos palcos e nos estúdios. Que Fernanda Abreu celebre com pompa em 2020 os 30 anos de trajetória relevante e visionária na música pop do Brasil!