Assim como as ruas brasileiras, os corredores e escritórios dos ambientes corporativos refletem a realidade enfrentada pela população negra no Brasil. Um levantamento realizado pela Indique uma Preta, consultoria especializada em diversidade, e a Cloo, especializada em consultoria comportamental, revelou que apenas 8% de autodeclarados pretos e pardos ocupam cargos de liderança no ambiente em que trabalham. Nas 500 maiores empresas do país, apenas 5% das lideranças são negras.
Tais números estão presentes em um país onde, de acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 55,5% da população se identifica como preta ou parda.
O Diario conversou com o advogado trabalhista João Matheus do Monte, que, primeiro, explicou o que diferencia racismo de injúria racial no papel.
"Com relação ao racismo, a gente poderia conceituar como se fosse um crime cometido contra um grupo, uma comunidade, uma coletividade. A injúria racial, ela é direcionada a alguém específico, então ela é objetiva, ela não é abrangente, ela é particular específica contra alguém, em razão da sua raça", explica o jurista.
João Matheus contou que houve mudanças recentes nas leis que regem os crimes de racismo e injúria racial. Em 2023, com a promulgação da Lei 14.532, as penas dos dois crimes foram equiparadas. Agora, ambos os crimes tem pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
Mas o que fazer quando o caso de discriminação acontece dentro do ambiente de trabalho?
Segundo o advogado, a primeira atitude a tomar é denunciar. "Da ótica da vítima, a gente sempre indica que seja denunciado ou ao superior imediato da equipe onde o empregado estiver vinculado, ou ao setor de Recursos Humanos, mas que essa pessoa procure ajuda de alguma forma a pessoas que detêm cargos, tanto de liderança quanto o poder de decidir acerca da punição desse eventual culpado", contou.
Além disso, procurar meios de comunicação utilizados pela empresa para fazer essa denúncia interna também é recomendado.
"As empresas, hoje em dia, estão instituindo ouvidorias dentro das próprias empresas. Disponibilizam número de telefone ou e-mail para que fique tudo registrado, e existem casos em que empresas também contratam empresas terceirizadas, justamente para ter uma espécie de ouvidoria digital", explica.
Após a fase da denúncia vem a apuração. É obrigação da instituição conversar com a pessoa a quem o crime está sendo imputado, ouvir testemunhas caso elas existam e procurar meios de elucidar o acontecido. João Matheus conta que equipamentos como câmeras de segurança costumam ajudar nessas circunstancias, principalmente no caso de uma discussão acalorada.
O próximo passo é decidir ou não pela punição contra esse funcionário. "O que é possível fazer no âmbito trabalhista é a justa causa. Para a vítima, no âmbito trabalhista, ela pode pleitear uma indenização pela empresa, porque a empresa responde objetivamente por tudo que acontece dentro das dependências do ambiente de trabalho, desde que seja cometido por um dos seus empregados", explica, adicionando que a empresa pode vir a ser condenada a pagar uma indenização por danos morais e materiais a essa vítima.
Para além do trabalho, o advogado explica que a vítima também pode buscar uma indenização na esfera cível e também na criminal, ao apresentar uma queixa-crime.
Em casos desse tipo, João Matheus reforça que não pode haver omissão: "A partir do momento em que se é feito alguma denúncia por algum meio, ou por telefone, ou até por plataforma digital, uma espécie de ouvidoria digital, a empresa não pode se omitir. Ela precisa investigar e precisa ter registro de toda etapa de apuração".
Por fim, outra ação que não deve ser tomada é a empresa tornar essa denúncia pública, e sim preservar a identidade de todas as partes sem explorar os processos de investigação. "A empresa não pode deixar isso vazar a terceiros, porque isso mancha a imagem, isso pode gerar uma situação ainda mais conflituosa. Precisa ser tratado de uma forma mais sigilosa, mais discreta possível e obviamente não pode achincalhar, não pode colocar em praça pública nenhum, nem um, nem outro. Não pode deixar o caso ser publicizado", finaliza.
Fonte: Diário de Pernambuco
Por: Antônio Góes